O céu amanheceu coberto de nuvens baixas mas nosso grupo
(quatro pessoas) acordou animado. Tinha uma ansiedade no ar, afinal havia meses
que falávamos e esperávamos por esse dia. Somos acostumados com trilhas em
montanhas, mas subir vulcão ativo e a noite seria a primeira vez.
Não me lembro quando começamos a falar sobre isso, mas
pareceu-me que eu estava há muito tempo esperando por esse dia. Bem, finalmente
havia chegado.
Estávamos em Lipari, uma das chamadas Ilhas Eólias.
As Ilhas Eólias são um arquipélago composto por oito ilhas
localizado ao norte da costa da Sicília. Escolhemos a ilha de Lipari como base
para a aventura de subir o vulcão Stromboli ,que fica numa ilha com o mesmo
nome a 1hora e 50 minutos de navegação do porto de Lipari.
Não havia nenhuma garantia de que poderíamos subir, mesmo já
tendo feito a reserva e pago desde o Brasil.
O negócio era ir até lá e esperar pela autorização que só
receberíamos na hora.
Isso só aumentava a ansiedade. Dependíamos do tempo melhorar
e dos vulcanólogos da Universidade da Sicília darem o sinal de que seria seguro
subir naquele dia. E assim foi.
O mar estava muito agitado e nosso barco jogou muito. Desembarcarmos
no vilarejo de San Vincenzo aos pés do vulcão. Mantivemos o olhar o tempo todo
para o alto torcendo para ver o topo do vulcão que permanecia encoberto pelas
nuvens , o que inviabilizaria nossa aventura.
O vilarejo de casas brancas e jardins bem cuidados com uma
praia de cor negra e sem carros é aparentemente um local tranquilo. Porem é só
olhar para cima e lá está o gigante soltando fumaça o tempo todo e a cada 20
minutos uma erupção.
Muitas vezes já foi necessário evacuar a ilha de cerca de
500 habitantes por causa do risco que correm quando o vulcão joga suas lavas
para fora da cratera formando aquele rio vermelho de lava incandescente em
direção a vila ou ao mar.
Há relatos da atividade do Stromboli desde antes da Era
Cristã...ou seja, faz muito tempo que estão de olho nesse que é um dos vulcões
mais ativos da Europa.
Ficamos na praça de San Vincenzo, juntamente com um monte de
gente, aparentemente trilheiros experientes e bem equipados, aguardando
autorização para o início da subida. A maioria eram franceses e alemães. Só nós
quatro de brasileiros.
Passamos na agência onde pegamos os capacetes e ficamos por
horas esperando até que as 17:30 nos liberaram para subir. Formaram-se vários grupos de cerca de 15
pessoas e cada grupo era acompanhado por
dois guias. Um fica no início e outro no fim da fila indiana que se forma para
a subida, já que a trilha é estreita e íngreme. Tinha muita pedra solta e muita
lava e portanto exigia atenção o tempo todo, mas quando podíamos parar um pouco
e olhar por onde andávamos era deslumbrante. O mar azul e as casinhas brancas
iam ficando cada vez mais distantes. O solo negro em contraste com as nuvens de
cor alaranjada refletindo o pôr do sol que já chegava, dava uma ar de mistério
que me fazia sentir um misto de medo e atração pelo que eu veria a seguir.
Até a altura de 400 metros é possível desistir e voltar com
a companhia de um guia, depois disso temos que prosseguir até a cratera que
fica a 920 metros do nível do mar. Aos 400 metros todos paramos para comer algo
, beber agua e juntar forças para a parte final.
Eu estava bem cansada
e pensei em desistir, mas com o incentivo do nosso fantástico guia e um
gel energético fornecido pela minha amiga, prossegui até o final. Se eu tivesse
desistido teria perdido aquela que foi uma das grandes experiências da minha
vida de viajante trilheira por esse mundo.
Foram 3 horas e 30 minutos de subida difícil e com apenas
uma parada rápida . Chegamos ao topo ao
anoitecer. Fazia frio e ventava muito , mas nós estávamos suados pelo esforço
da subida. Nos protegemos do vento num abrigo especial para isso e colocamos
roupas secas e confortáveis , casaco, corta vento, luvas e capacete com uma
lanterna na testa, uma máscara para proteger dos gases emitidos pelo vulcão e
prosseguimos para a borda da cratera já noite escura. Apenas uma lua crescente
aparecia linda no céu limpo acima da camada de nuvens. Algumas vezes uma rajada
forte de vento trazia essas nuvens até nós e nos envolvia naquela névoa gelada.
O coração estava acelerado pela expectativa e nós quatro
estávamos excitadíssimos e rindo a toa como crianças eufóricas. Era o dia do
aniversário do meu marido e estávamos ali naquele momento celebrando a alegria
de viver, a dádiva de conhecer lugares tão especiais que transformam nossa fugaz existência em momentos
de tanta intensidade que é como se tivéssemos vivido desde sempre e para sempre.
Li essas palavras em algum lugar e faço-as minhas pois cabem bem nesse relato.
Já escuro e posicionados no lugar mais próximo permitido,
ouvindo o estrondo do vulcão, a vibração
e o cheiro forte de enxofre aguardamos o momento mágico que tanto
esperávamos, quando vimos surgir do fundo da cratera labaredas vermelhas de
lava incandescente. São varias pequenas crateras dentro da cratera principal e
várias explosões aconteceram em sequência , mas uma especialmente grande nos
deixou totalmente embasbacados e emocionados pela beleza e força da natureza.
Ficamos alguns segundos em silêncio e depois eufóricos
cumprimentamos o aniversariante que estava radiante por termos conseguido viver
essa experiência inesquecível.
A descida durou 1 hora e 30 minutos no escuro, apenas com a
luz fraca das lanternas na cabeça e por um caminho mais íngreme ainda onde não
havia pedra, nem trilha demarcada. A sensação era de estar descendo correndo
uma duna de areia preta e de 920 metros de altura no escuro, sem ver direito
onde estávamos pisando. Todos os grupos desceram juntos em fila indiana e
avistávamos ao longe as luzes enfileiradas descendo como se fosse uma imensa
procissão na noite escura.
Sem processar totalmente ainda toda a experiência vivida
devido ao cansaço, pegamos um barco de volta a Lipari com mar agitado e num barco desconfortável.
Quase 2 horas depois desembarcamos em Lipari e brindamos no nosso hotel o dia
inesquecível que tivemos e fomos dormir com a certeza do prazer cumprido.