Eu estava jantando numa pousada em Aguas Calientes (Peru) em uma noite gelada e úmida dos anos 80, ansiando pela visita ás ruinas de Machu Picchu na manhã seguinte, quando um grupo de jovens entrou com mochilas cargueiras enormes, botas sujas de barro, roupas molhadas, cara de cansados mas ao mesmo tempo irradiando felicidade.
Fiquei intrigada.
Mais tarde conversando com as três garotas argentinas e um menino de algum lugar da Escandinávia, descobri que eram “trekkers”, ou seja, tinham chegado até lá caminhando pela antiga trilha inca por 4 ou 5 dias. Eu claro, tinha chegado de trem. Sequer sabia que existia essa possibilidade de viajar a pé por dias e que a isso se dava o nome de trekking.
Ficou na minha memória aquele grupo, que na verdade mal se conhecia. O garoto tinha conhecido as meninas no início da trilha e a fizeram juntos . Ao contar sobre a experiência, se olhavam com uma cumplicidade de quem dividiu momentos inesquecíveis que só poderiam ser compreendidos por aqueles que estiveram lá. O mesmo olhar que a gente vê quando uma banda está naquele momento do show em que eles se olham e sorriem com um entendimento que só eles compartilham, mesmo que estejam tocando juntos pela primeira vez.
Meu primeiro trekking aconteceu 5 anos depois desse episódio. Andei pelo Himalaia por nove dias na região do Annapurna no Nepal, acampando ou dormindo em alojamentos precários com 15 graus negativos a noite e dias frios, mas ensolarados. Foi uma experiência transformadora e definitiva na minha vida e eu necessitaria de mil posts para descreve-la e assim mesmo não conseguiria.
A experiência de conhecer a Índia e o Nepal será descrita num post a parte.
Falando sobre o trekking em si, descobri que ele se encaixa muito bem para mim, pois é como se fosse um esporte, mas não é, ou melhor, não precisa ser. Eu nunca gostei de competir e o esporte sempre me causou mais estresse que prazer. O verdadeiro trekkista não corre na trilha pois ela é o próprio objetivo. Pode ir no seu ritmo, o que não significa andar sempre no mesmo ritmo. O seu ritmo varia conforme o terreno ou o nível de desgaste de energia. Não é uma maratona. E como disse o guia que nos conduziu, quem chega por último viu mais, desde que não chegue no escuro.
A condição fundamental para ser um trekkista é gostar de caminhar e ter uma certo preparo físico. Mas não precisa ser atleta.
Acreditar que para baixo todo santo ajuda é uma ilusão. Músculos preparados fazem toda a diferença, pois fazer uma trilha com joelho doendo, não tem paisagem que encante.
Nem sempre é só alegria. Há também esforço, empenho, cansaço, as vezes exaustão e mau humor.
Mas tudo isso é compensado quando, naquele esforço derradeiro, alcança-se a ponta mais alta daquele rochedo que parecia inatingível e onde a paisagem se descortina, senta-se , tira-se a mochila das costas e fica-se em contemplação.
É uma sensação de alegria e plenitude.
Ao contrário de tudo o que vivemos na nossa vida urbana, cheia de novidades efêmeras, ali você está se relacionando com eternidades. A eternidade das pedras, das montanhas, ou das planícies que passam solidez na sua imobilidade carregada de energia.
Estou partindo para mais uma viagem. Dessa vez vou caminhar pelos Alpes.
Amanhecer acima das nuvens no Nepal em 1992. |
Até lá!
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