segunda-feira, 23 de maio de 2011

TREKKING




Eu estava jantando numa pousada em Aguas Calientes (Peru) em uma noite gelada e úmida dos anos 80, ansiando pela visita  ás ruinas de Machu Picchu na manhã seguinte, quando um grupo de jovens entrou com mochilas cargueiras enormes, botas sujas de barro, roupas molhadas, cara de cansados mas ao mesmo tempo irradiando felicidade.
Fiquei intrigada.
Mais tarde conversando com as três garotas argentinas e um menino de algum lugar da Escandinávia, descobri que eram “trekkers”, ou seja, tinham chegado até lá caminhando pela antiga trilha inca por 4 ou 5 dias. Eu claro, tinha chegado de trem. Sequer sabia que existia essa possibilidade de viajar a pé por dias e que a isso se dava o nome de trekking.
Ficou na minha memória  aquele grupo, que na verdade mal se conhecia. O garoto tinha conhecido as meninas no início da trilha e a fizeram juntos . Ao contar sobre a experiência, se olhavam com uma cumplicidade de quem dividiu momentos inesquecíveis que só poderiam ser compreendidos por aqueles que estiveram lá. O mesmo olhar que a gente vê quando uma banda está naquele momento do show em que eles se olham e sorriem com um entendimento que só eles compartilham, mesmo que estejam tocando juntos pela primeira vez.
Meu primeiro trekking aconteceu 5 anos depois desse episódio. Andei pelo Himalaia por nove dias na região do Annapurna no Nepal, acampando ou dormindo em alojamentos precários com 15 graus negativos a noite e dias frios, mas ensolarados. Foi uma experiência transformadora e definitiva na minha vida e eu necessitaria de mil posts para descreve-la e assim mesmo não conseguiria.
A experiência de conhecer a Índia e o Nepal será descrita num post a parte.
Falando sobre o trekking em si, descobri que ele se encaixa muito bem para mim, pois é como se fosse um esporte, mas não é, ou melhor, não precisa ser. Eu nunca gostei de competir e o esporte sempre me causou mais estresse que prazer. O verdadeiro trekkista não corre na trilha pois ela  é o próprio objetivo.  Pode ir no seu ritmo, o que não significa andar sempre no mesmo ritmo. O seu ritmo varia conforme o terreno ou o nível de desgaste de energia. Não é uma maratona. E como disse o guia que nos conduziu, quem chega por último  viu mais, desde que não chegue no escuro.
A condição fundamental para ser um trekkista é gostar de caminhar e ter uma certo preparo físico. Mas não precisa ser atleta.
 Acreditar que para baixo todo santo ajuda é uma ilusão. Músculos preparados fazem toda a diferença, pois fazer uma trilha com joelho doendo, não tem paisagem que encante.
Nem sempre é só alegria. Há também esforço, empenho, cansaço, as vezes exaustão e mau humor.
Mas tudo isso é compensado quando, naquele esforço derradeiro, alcança-se a ponta mais alta daquele rochedo que parecia inatingível e onde a paisagem se descortina, senta-se , tira-se a mochila das costas e fica-se em contemplação.
É uma sensação de alegria e plenitude.
Ao contrário de tudo o que vivemos na nossa vida urbana, cheia de novidades efêmeras, ali você está se relacionando com eternidades. A eternidade das pedras, das montanhas, ou das planícies que passam solidez na sua imobilidade carregada de energia.
Estou partindo para mais uma viagem. Dessa vez vou caminhar pelos Alpes.
Amanhecer acima das nuvens no Nepal em 1992.
Até lá!

domingo, 15 de maio de 2011

SER PARTE DA PAISAGEM




É claro que, quando você está viajando de carro, a vista continua linda, o sol brilha com a mesma intensidade, as cores das paisagens continuam vibrantes. Dá para apreciar o contorno das montanhas, dá até para parar, descer do carro, dar alguns passos e fotografar o melhor ângulo...
Mas, caminhar por uma paisagem é como se deixar impregnar por ela. Passar ao lado de uma montanha ou subir pelas suas encostas é uma convivência que pode durar horas e você tem tempo para observar detalhes que de longe, ou de dentro de um carro não seria possível.
É quase como se você fosse parte daquele caminho ziguezagueante na colina, dos vinhedos a perder de vista, da imensidão das geleiras ou da vastidão dos desertos. Dá tempo para notar o brilho prateado das folhas das oliveiras contrastando com o céu azul, a imponência de uma árvore ou a delicadeza de uma florzinha do campo.
Além disso, tem o prazer de sentir os músculos trabalhando, sincronizar o passo com a respiração, o coração batendo mais forte, o sangue circulando mais rápido,  a inspiração constante de ar puro e da energia da natureza.
A mente também se beneficia de uma caminhada na natureza , pois ao se afastar do jogo social, os problemas parecem menores, distantes. Ao desconectar-se das modernidades, das constantes novidades, do excesso de informação e dos ruídos da vida urbana, a mente relaxa. Há preocupações que parecem sem o menor fundamento quando estamos diante de uma paisagem deslumbrante!!
Hoje não concebo mais uma viagem que não inclua um trekking mais pesado ou uma caminhada mais leve.
Caminhando pela Toscana em 2001.
 Fizemos grande parte da Toscana e da Provence indo de uma pequena cidade a outra a pé pelo meio dos vinhedos ou trigais, mesmo tendo uma estradinha que nos levaria ao mesmo lugar e mais rápido. Mas o prazer de fazer parte daquela paisagem é único.
 Ao chegar ao destino, curtíamos a cidade sem pressa e voltávamos para a nossa cidadezinha de origem de ônibus. Mais tarde nos esbaldávamos num belo jantar acompanhado de um excelente vinho e uma noite repousante no conforto de um bom hotel.
Essa é a descrição de um dia perfeito para mim.

sábado, 7 de maio de 2011

TRILHA AREEIRO – PICO RUIVO


(Dando continuidade ao post anterior sobre a Ilha da Madeira)

Foi uma sorte que no inicio da trilha tivesse tanta neblina e chuvisco. Passei pelo trecho mais perigoso que fica na crista da montanha que é bem estreito e fica entre dois despenhadeiros sem saber onde estava ao certo. O piso escorregadio me fez atravessar concentrada em não escorregar e não olhei muito para os lados pois estava tudo encoberto. Isso me poupou das vertigens e do medo que sinto de altura (pronto falei!) o que aconteceria com certeza se estivesse tudo aberto.
A medida que fomos caminhando entre trechos bem íngremes e outros mais suaves, o vento de repente limpava a densa neblina a nossa frente e como uma miragem surgiam paisagens inacreditáveis, de uma beleza forte, dramática , vales profundos, montanhas altíssimas e caminhos floridos. Puro encantamento!
De repente a neblina baixava de novo e tudo se perdia e nos deixava imersos naquele cenário de beleza e mistério. Dá até para fazer uma analogia com a vida. Quantas coisas estão ali bem à nossa frente e não vemos por estarmos concentrados em outras coisas.
Teve muita subida íngreme e descidas exigentes que pediam músculos preparados.
E assim foi por todo o percurso de 3 h e meia de muita beleza e também bastante esforço físico.
Chegamos felizes e cansados no abrigo do pico Ruivo. Parada para um café e encarar mais uma subida de 10 minutos até atingir o pico e ter uma visão geral de toda a paisagem.
Tínhamos contratado um taxi para nos pegar no Achado do Teixeira e seguimos a pé até lá, o que levou mais ou menos 40 minutos.
A melhor maneira que achamos para viabilizar essa trilha foi contratar um taxi em Funchal que nos levasse até o inicio da trilha no Areeiro, e combinar hora e local no fim da trilha no Achado do Freire para ele nos buscar. Foi perfeito!